Condicionalidades do FMI e o efeito sobre o cambial
Antes de ratificar a um acordo de financiamento com o Fundo Monetário Internacional (FMI), quer seja Extend Found Facility (EFF), Stand by Agreement (SBA), ou um outro programa, os países pertencentes as instituições de Bretton Woods devem previamente concordar em ajustar as suas políticas económicas para superar os problemas que os levaram a pedir a ajuda financeira.
Apesar das muitas críticas feitas a esse sistema de condicionalidades, o FMI tem um objectivo nobre na medida em que tenciona ajudar os países a resolver os diferenciados problemas que possuem, trazendo um pacote de soluções que visam a estabilização económica (curto prazo) e a reforma estrutural (longo prazo).
Os condicionantes mais comuns nos acordos de financiamento
- Desvalorização da taxa de câmbio oficial e a flexibilização cambial;
- Um rigoroso programa anti-inflação que consiste em: (a) controlo de crédito bancário para aumentar as taxas de juros e os requisitos de reserva; (b) controlo do défice do governo por meio da restrição de gastos juntamente com aumentos de impostos; (c) controlo de aumentos salariais e abolição da indexação salarial;
- Privatização das empresas públicas;
- Reformas ao nível do sistema financeiro.
O governo angolano aderiu ao EFF e se comprometeu a observar as suas condicionalidades. Dentre tantas, quero particularizar as do âmbito do sistema financeiro, das quais cito as reformas ao nível da internacionalização dos mercados, independência do Banco Nacional de Angola (BNA), bem como o modus operandi do mercado cambial.
O BNA tem feito esforços para internacionalizar os mercados, e para tal aderiu a plataforma Bloomberg onde os leilões e as operações de compra e venda de divisas são realizados. Par além disso, testes já estão a ser feitos no sentido de também integrar o mercado monetário.
Atualmente, em qualquer parte do mundo, os investidores podem ter, em tempo real, uma visibilidade dos câmbios de referência e das taxas indicativas do nosso mercado FOREX. Acrescendo a essa temática, os investidores também podem ter acesso as taxas de juros dos títulos soberanos e as taxas LUIBOR.
Uma das principais vantagens das intervenções do FMI no âmbito dos acordos de financiamento tem muito que ver com a promoção da independência da política monetária.
Devido principalmente a inconsistência temporal de políticas e ao hiato forçado do produto em períodos de eleições, todos os países (Colômbia e Coreia do Sul, como exemplo) que aderiram ao SBA e principalmente ao EFF foram condicionados a tornar os seus bancos centrais mais independentes. O BNA não escapa disto, tanto é que já se começa a ponderar sobre a possibilidade de a autoridade monetária se retirar da Equipe Económica, por isso, já se está a preparar a revisão da lei do Banco central no sentido de redefinir a sua relação com o estado.
Ao nível do mercado cambial, as reformas têm sido muito intensas e desafiadoras. O regulador começou por flexibilizar, em parte, a taxa de câmbio alternado os regimes e liberalizou as petrolíferas e as diamantíferas para venderem divisas no mercado.
No relatório sobre a terceira avaliação do EFF o fundo deixou bem claro que está satisfeito com as reformas que têm sido implementadas. No entanto, acresceu que para concluir a reforma, basta que o banco central deixe de vender divisas, ou seja, acabar com os leilões e assumir definitivamente o papel de regulador.
Como pode ficar o mercado cambial caso o BNA acabe com os leilões?
Numa altura como essa a banca ainda não está preparada para ver-se privado dos leilões do BNA. Caso essa medida seja levada a cabo em tempo inoportuno, ao meu entender, no curto prazo, as taxas de câmbio irão subir vertiginosamente e os níveis de desigualdade no sistema bancário serão aguçados.
Ora bem, se faço esta afirmação então de vou provar! Vejamos que em princípios de junho do ano corrente a taxa média mensal de referência foi de USD/AOA 586,468, enquanto as transações feitas na FXGO (Plataforma que serve de negociação de divisas) resultaram em uma taxa média de aproximadamente USD/AOA 611,677, o que perfaz um spread de 4%.
Assim sendo, consegue-se perceber que em junho, as taxas de câmbio praticadas no FXGO já estavam a ser cotadas entre USD/AOA 600 a USD/AOA 620, mas o câmbio de referência estava entre USD/AOA 571 a USD/AOA 595. A que se deve essa diferença?
Dentre poucas explicações, uma das mais concisas está na dupla função dos leilões de divisa realizados pelo BNA. No meu ponto de vista, assim como as operações de mercado aberto têm uma dupla função, isto é, influenciar a liquidez em moeda nacional e a taxa de juros, os leilões de divisas são um instrumento de política cambial que servem para influenciar os níveis de liquidez em moeda estrageira, e por último, a taxa de câmbio. Relembrar que muitas vezes o BNA realiza leilões com intuito de amortecer a cotação USD/AOA.
Com base neste raciocínio, caso o BNA deixe de vender divisas e assuma definitivamente o papel recomendado pelo FMI, perderá automaticamente a possibilidade de acomodar o kwanza quando for necessário, e deixará as taxas à mercê do mercado, fazendo com os câmbios flutuem livremente, e com desequilíbrios em termos de força de mercado, o kwanza poderá se tornar num papel higiénico (caso atinja os 99,999% que é o valor mais alto de depreciação) e agravar ainda mais os problemas a nível da inflação.
De acordo com o instrutivo nº 02/2020, ponto 4.1.2, os emitentes podem vender divisas a quem desejarem. De acordo com o quatro princípio de economia, os agentes económicos reagem a incentivos. Sendo que há espaço para vendas discriminadas, as empresas diamantíferas e petrolíferas terão mais motivações para vender a bancos com os quais possuem relações de longa data, que domiciliam seus salários e cujo o processo de liquidação é mais rápido.
Actualmente, muitos bancos ainda não conseguiram ter acesso aos leilões das petrolíferas e diamantíferas, visto que estão num processo de compliance muito burocrático, sendo os leilões BNA a fonte suprema de divisas. Essa situação terá claramente reflexos nos resultados líquidos da banca.
Segundo a Banca em análise da Deloitte, 71% dos resultados são detidos por 4 bancos, dentre eles o BFA, BAI, BIC e BDA. Em termos gerais, meus cálculos demonstram que o índice de concentração (índice Herfindahl-hirschman) destes resultados está avaliado em 0,14 pontos, o que é considerado alto tendo em conta os limites europeus (a autoridade reguladora da concorrência -ARC- não disponibiliza informações sobre os níveis de concentração), o que revela altos níveis de desigualdade.
Sendo que as cambiais têm peso significativo nos resultados da banca, a ausência do BNA como o principal vendedor de divisas pode aumentar ainda mais o nível de concertação destes resultados e gerar desigualdades maiores, com particular prejuízo para os bancos pequenos.
Antes de acabar com os leilões o BNA precisa fazer duas coisas, a saber:
- Se certificar que todos os bancos estejam licenciados e habilitados para poder participar nos leilões das petrolíferas, diamantíferas e do tesouro nacional;
2- Eliminar a opção de vendas discriminada da plataforma.
Conclusão Enfim, os condicionantes do FMI trazem consigo inúmeras vantagens, sendo que as desvantagens podem ser encontram simplesmente na forma da sua aplicação, como Joseph Stiglitz dizia: “o problema não é a austeridade, o problema é a celeridade com que se aplica”. No caso do mercado cambial, o BNA precisa realmente ter muito cautela e se certificar que o cumprimento desta condicionalidade será feito numa altura em que os bancos estarão preparados para abraçar esse desafio de formas a não comprometer o desenvolvimento do mercado FOREX, e consequentemente da banca.